sexta-feira, 17 de agosto de 2012

PRETA, PRETINHA...


 Por P. R. Barbosa


Cinco horas da matina é o horário em que muitas famílias acordam no Bailique, um arquipélago distante 150 km da capital Macapá, Estado do Amapá. E sob a cantoria incessante dos galos anunciando um novo dia, é hora de levantar da rede, fazer o “moca” e se preparar para uma nova jornada de trabalho. Mas, na casa de Fabrício e Dinelma, a rotina não é bem esta. Acordam também às cinco da manhã, mas não é por conta do relógio biológico e da algazarra dos galos, mas por causa do choro e das batidas na porta do quarto. É preciso levantar, abrir a porta e dividir a cama com Pretinha até o amanhecer, pois do contrário ninguém amanhece deitado naquela casa.
E aos primeiros passos de seus “pais”, lá está ela de pé já choramingando pelo seu iogurte, maçã, pera ou banana fresca. É o seu café da manhã predileto! Saciada e com tanta energia para gastar, ninguém mais segura ou controla a danada dentro de casa. Depois de rodopiar a casa inteira, de cima a baixo, entrar nas gavetas dos armários, subir no telhado, Pretinha parte para o quintal para escalar as árvores e brincar com os insetos e pequenos animais. E sempre que sente fome, lá está ela novamente aos pés de sua “mãe” choramingando por comida.
Quem vê Pretinha assim, cheia de energia e vida, não imagina o que ela já enfrentou para sobreviver. Pretinha foi encontrada abandonada no meio da floresta, ainda recém-nascida. Provavelmente, seus pais tenham sido vítimas de algum caçador, pois do contrário, não imaginamos uma mãe abandonar seu filhote tão indefeso à sorte da floresta. Foi a sorte e o choro desesperado que fizeram Pretinha ser encontrada por um agricultor que o levou para sua casa. Pequenina, magrinha, toda molhadinha e tremendo de frio. Seu estado requeria cuidados especiais. Sabendo disso, aquele agricultor confiou ao casal Fabrício e Dinelma a responsabilidade pela guarda e pelo cuidado daquele ser tão indefeso.
A partir de então, Pretinha começou a fazer parte da família daquele jovem casal que, sem filhos, dedicou todo amor e cuidado àquele ser adotivo. Ganhou um nome, uma rede, uma mamadeira e o mais importante, uma família. Enfrentou vários problemas de saúde, mas sempre resistiu com bravura. Quando bebê gostava de passear enrolada ao corpo de seus “pais” e das crianças da comunidade. Seu colo preferido era o pescoço das pessoas. Era assim que Pretinha passava várias horas do dia presa à sua “mãe”. Mesmo quando Dinelma estava ocupada com seus afazeres domésticos, Pretinha estava sempre junto, presa ao seu colo, obervando tudo.
Mas Pretinha cresceu e está entrando na adolescência. E, como ocorre com os seres humanos, ela também tem seus momentos de “aborrecência”. Está sempre aprontando alguma coisa. E quando é chamada a atenção, fica emburrada. Quer ter a sua liberdade! Outro dia dormiu fora de casa. Apareceu no amanhecer do dia, sabe-se lá de onde. O fato é que ela apareceu assustada e com uma grande ressaca de sono. Talvez ela tenha aprendido a lição e não volte mais a fazer algo parecido. Está aprendendo a cantar. Toda vez que Fabrício põe seu hino favorito, ela esboça seus primeiros versos.
Apesar de algumas mudanças terem ocorridas na vida de Pretinha, ela ainda mantém algumas rotinas de seu tempo de bebê. Sua soneca depois do almoço, por exemplo, é sagrada. Mas antes, tem que arrumar a sua cama e fazer cafuné ou cócegas em suas patas até a bichinha adormecer abraçada ao seu boneco de pelúcia.
Esta é a história de Pretinha, um filhote de macaco guariba. Mas poderia ser a história de qualquer criança, já que Fabrício e Dinelma a tratam como filha. Apesar do amor com que criam aquele animal, o casal está preocupado com o seu futuro. Mesmo que lhes custe muito pensar numa possível separação, eles estão procurando um novo lar para a guariba. A danada está desobediente e tem tentado escalar os postes de energia elétrica da comunidade. E temendo um acidente que pode lhe custar a vida, Fabrício e Dinelma estão pensando em doar o animal para alguma instituição ou alguém que possa dela cuidar com a mesma dedicação e carinho, já que Pretinha não sobreviveria, caso fosse devolvida à floresta.