Por Paulino Barbosa
Sabe esse troço de “pré-conceito”, de você
julgar as coisas ou as pessoas apenas pela aparência? Pois é! É uma forma
imbecil de olhar o mundo a sua volta. Agora imagine você falar de um povo, do
qual você nunca teve contato, com quem nunca conversou, nunca se misturou.
Parece fofoca mesmo, né? Mas esse método já foi considerado “científico” e,
durante quase um século, dirigiu o olhar hipócrita dos europeus sobre os demais
povos da face da terra.
Foi o que aconteceu com um “desnaturalista”
francês chamado Conde de Buffon, que no século XVIII, ousou a definir o povo do
continente americano sem ao menos ter posto os pés no novo mundo. O cara era
tão prepotente que tentou “comprovar” a inferioridade deste povo através da comparação
com elementos da natureza. Ele afirmava que a ausência de animais gigantescos
no continente, como elefantes, girafas, camelos, justificava o nível de inferioridades
do povo daqui. Para este alienado, o estado bruto da natureza, pantanoso, com
sua diversidade biológica era empecilho para o desenvolvimento de qualquer
animal de grande porte e, consequentemente, prejudicial ao desenvolvimento
humano. O cara era tão preconceituoso com o povo das Américas que chegou a
taxá-lo de débil, pelo tamanho insignificante, pela sensibilidade e pela
carência de vivacidade. Em outras palavras, uma “aberração da natureza”.
Ele dizia que onde a natureza era
“organizada” as pessoas eram mais “belas” e “bem feitas”. Coisa que não existia
no continente americano, pois as florestas tropicais não haviam alcançado um
estágio de maturidade e de “organização”. Por isso, os animais e plantas viviam
todos misturados, sem nenhuma organização, o que dificultava o desenvolvimento
dos povos selvagens e inviabilizava qualquer tentativa de civilização.
Pobre Buffon, não sabe que da sua ignorância
nasceu um novo modelo de sociedade totalmente contrário ao seu ínfimo
pensamento. Mal ele sabia que dessa “desorganização”, dessa diversidade
biológica, dessa mistura dos diferentes, estaria a origem do atual estágio da
nossa sociedade.
Também não imaginava que um dia a sociedade
pudesse estar toda interligada por redes de conexões e de relacionamentos,
sejam em espaços físicos ou virtuais. Ele enlouqueceria se soubesse que essa
“desorganização” tão combatida, seria o protótipo para o desenvolvimento das
redes de comunicação no mundo. Onde o sistema de “um para todos” daria lugar ao
de “todos para todos”, numa rede que não se sabe onde começa, por onde caminha
e nem onde termina.
O imbecil morreria novamente se soubesse que
aquela floresta dita “atrasada”, “desorganizada”, hoje é considerada um bem essencial
para a sobrevivência das pessoas no planeta, justamente pela sua diversidade. E
que pelo pensamento irresponsável de caras-de-pau, como ele, quase pôs tudo a
perder.
Se você teve o saco de ler esta matéria até
aqui, deve estar se perguntando, o que o pensamento desse cara, lá do século
XVIII, tem a ver com a nossa realidade hoje. Na verdade, minha gente, essa tese
está presente em nossos discursos e em nossas ações muito mais do que se possa
imaginar. Não foi só no passado que a discriminação racial foi motivo de
guerras e de genocídio no mundo inteiro. Até hoje, atos de racismo e de
preconceito continuam velados ou expostos e continuam causando vítimas e
matando silenciosamente pessoas ou grupos humanos. Só que hoje, o racismo não é
mais protegido por lei e nem apoiado pela ciência, mas continua presente nas
atitudes e discursos diários de muita gente.
Hoje, a discriminação não é apenas dos
europeus para com o resto do mundo. Esta discriminação atravessou continentes,
caminha pelos ares e tem pousado nos diferentes lugares. Com os atentados de 11
de setembro, criou-se a cultura do medo no mundo inteiro, onde os fluxos
migratórios, os estrangeiros, são tidos como potenciais inimigos de países
considerados de “primeiro mundo”. Esta situação tem provocado uma atitude de
discriminação e invasão de privacidade por parte de governos, tentando fechar
as portas e impor barreiras para controlar o fluxo migratório das pessoas no
mundo. E com isso, direitos humanos são jogados no lixo, repressão e humilhação
são proferidas em torno da dita “segurança”. Que poder é esse que leva um
governo de um país a atravessar sua fronteira e espionar pessoas lá na caixa-prego?
Peraí! Até quando vamos aceitar isso? Seria um novo modelo ditatorial?